A corte avalizou, por 3 votos a 1, a decisão de junho do ano passado de retirar a investigação das mãos do juiz de primeira instância Flávio Itabaiana.
A Segunda Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta terça-feira (30) manter o foro especial concedido ao senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) pela 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Assim, a corte avalizou, por 3 votos a 1, a decisão de junho do ano passado de retirar a investigação das mãos do juiz de primeira instância Flávio Itabaiana, que vinha dando decisões duras contra o parlamentar.
O magistrado, agora definitivamente afastado do processo, foi o responsável por ordens de quebra de sigilo e pela prisão de Fabrício Queiroz, acusado de ser o operador do esquema da "rachadinha" no gabinete de Flávio quando ele era deputado estadual.
Pelo mesmo placar, o colegiado também atendeu a um pedido da defesa para anular quatro relatórios de inteligência financeira elaborados pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) que apontavam movimentações atípicas em contas bancárias de Flávio e seus funcionários.
Esses documentos eram considerados fundamentais por investigadores do caso, assim como dados levantados em quebras de sigilo que foram anuladas pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça). Dessa forma, somadas as decisões do STJ e do Supremo, as investigações contra o filho do presidente praticamente terão de ser retomadas do início.
Votaram nesse sentido os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Kassio Nunes Marques, enquanto Edson Fachin apresentou divergência.
O Supremo se debruçou sobre o tema nesta terça, 16 meses depois de o MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) ter apresentado recurso contra a decisão do TJ-RJ. Nesse período, Flávio acumulou diversas vitórias no STJ (Superior Tribunal de Justiça) que esvaziaram as investigações.
Prevaleceu o voto de Gilmar Mendes, relator do caso. Ele defendeu a rejeição da ação sob o argumento de que o Supremo não poderia analisar o mérito do recurso pelo fato de o MP-RJ ter perdido o prazo para recorrer na via adequada. Isso porque o órgão apresentou recurso ao próprio TJ-RJ fora do prazo previsto na lei.
"Ocorreu a perda do prazo para recorrer. Essa situação processual sugere que o MP busca um caminho processual considerado ilegítimo para reformar a decisão", disse Gilmar.
O ministro também afirmou que o TJ-RJ não violou a jurisprudência do STF, que restringiu o foro especial a autoridades a crimes cometidos durante o mandato e que tenham relação com a função.
O MP-RJ afirmava que, como Flávio não está mais no mandato em que teria cometido os delitos, seu caso deveria permanecer em primeira instância.
Gilmar, porém, defendeu que o Supremo só definiu a restrição do foro especial para integrantes do Congresso e que o caso de Flávio não deve ser atingido pela decisão da corte porque, na época dos supostos crimes, ele era deputado estadual.
"O STF debruçou-se tão somente sobre o alcance da competência do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar parlamentares federais", disse.
O ministro aproveitou para criticar a decisão que limitou o tratamento diferenciado na Justiça a pessoas que ocupam mandato eletivo.
"São justamente pontos cegos desse tipo que corroboram a tese de que a decisão trouxe mais desacertos do que acertos. De todo modo, não é possível extrair do paradigma indicado um direcionamento que se repute violado pela decisão reclamada", afirmou.
Segundo o magistrado, "não há clareza quanto ao alcance do entendimento" definido pela corte. "No que concerne à problemática do foro por prerrogativa de função no caso dos chamados 'mandatos cruzados', houve também uma indefinição quanto à abrangência do que fora decidido", afirmou.
Fachin divergiu do colega e afirmou que o TJ-RJ violou, sim, a ordem do Supremo que restringiu o foro especial de autoridades.
"Penso, considerada a ratio decidendi, não atender ao regime republicano que as outras cortes possam acolher entendimento diverso, para prorrogar, ad infinitum, o foro por prerrogativa de função", disse.
E concluiu: "Julgo procedente a reclamação, para cassar a decisão reclamada, proferida pela 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro".
A subprocuradora-geral da República Maria Caetana Cintra Santos defendeu a manutenção do foro especial de Flávio Bolsonaro.
"No caso em apreço, o senador era parlamentar e continua sendo. Não temos um ex-parlamentar, mas sim alguém ainda parlamentar", disse.
Ela falou em nome da PGR (Procuradoria-Geral da República), que já havia se manifestado a favor do senador. O órgão é chefiado por Augusto Aras, que foi indicado por Bolsonaro ao cargo e costuma se alinhar às pautas do governo em temas sensíveis.
Em relação ao trabalho do Coaf, os ministros mantiveram válido apenas o primeiro relatório, que tratava de transações suspeitas de diversos deputados estaduais do Rio de Janeiro e funcionários do Legislativo local.
Foi este documento que apontou movimentação suspeita de R$ 1,2 milhão na conta de Fabrício Queiroz, acusado de ser o operador do esquema de arrecadação de salários dos servidores de Flávio na Assembleia do RJ.
Este relatório não mencionou Flávio Bolsonaro, mas citou o repasse de cheque de R$ 24 mil de Queiroz para Michele Bolsonaro, mulher do presidente Jair Bolsonaro.
Os magistrados entenderam que o primeiro relatório é legal e deve ser mantido por ser obrigação do conselho informar às autoridades competentes a identificação de movimentações atípicas.
A Segunda Turma, porém, anulou os outros levantamentos sob o argumento de que foram solicitados pelo Ministério Público antes mesmo de o órgão de acusação formalizar a abertura de investigação sobre o caso da "rachadinha".
"A primeira razão de nulidade está relacionada ao fato de a produção de relatórios por intercâmbio ter ocorrido sem que houvesse sido instaurado formalmente em face do paciente qualquer investigação preliminar", afirmou Gilmar.
Segundo o ministro, após o primeiro relatório espontâneo ter apresentado as movimentações atípicas, o MP-RJ passou a investigar Flávio sem que houvesse um procedimento oficial instaurado, "o que somente ocorreu em 16 de março de 2019, quase um ano após o redirecionamento das apurações contra o paciente".
O ministro Kassio Nunes Marques concordou e criticou o fato de um dos relatórios ter sido solicitado produzido quando Jair Bolsonaro, pai de Flávio, já tinha lançado sua candidatura à Presidência da República.
O advogado Frederick Wassef não foi autorizado a ingressar nas instalações do STF na tarde desta terça-feira (30) por não apresentar o comprovante de vacinação, exigido a todos que frequentam o tribunal, conforme o artigo 4º da Resolução 748/2021. Informado pela segurança de que poderia participar de forma online da sessão de julgamento, o advogado foi receptivo às regras.
Em entrevista a jornalistas no Senado, ao lado de Flávio, Wassef criticou duramente o Coaf, que ele descreveu como organização criminosa. Disse que o órgão extrapolou suas funções e que investigou de maneira ilegal o filho do presidente da República.
"O Coaf, no caso do senador Flávio Bolsonaro, agiu de maneira criminosa, encomendada. Hoje está no YouTube a leitura dos votos dos nobres ministros. Os ministros foram claros em afirmar que o Coaf e alguns membros do Ministério Público foram usados para fins políticos, de perseguição ao senador, que é filho do presidente da República", afirmou o advogado.
Wassef também foi questionado sobre o episódio ocorrido no Supremo, quando ele foi barrado na entrada da corte. Flávio respondeu rapidamente que havia convidado seu advogado para assistir ao julgamento em seu gabinete. Dada a insistência dos questionamentos, senador e advogado decidiram encerrar a entrevista.
Com informações da folha Press Brasília
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